terça-feira, 23 de março de 2010

Emenda Ibsen se baseia em lei inconstitucional, diz Mendes


23/03/2010 - 00h00 ( A Gazeta)

São Paulo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, disse ontem que a chamada emenda Ibsen, que redistribui os recursos de royalties e participações especiais da produção de petróleo, se baseia em uma lei de 1989 que foi considerada inconstitucional pelo STF.

A emenda, de autoria do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), passou na Câmara e ainda precisa ser aprovada pelo Senado, mas se entrar em vigor acarretará numa perda estimada em cerca R$ 600 milhões por ano no Espírito Santo. Já a receita do Rio de Janeiro reduzirá em aproximadamente R$ 7 bilhões.

Em decisão do fim de fevereiro, o Supremo julgou que o atual modelo de distribuição de recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE), no qual se baseia a Emenda Ibsen, é inconstitucional.


De acordo com o entendimento do STF, a lei previa que os coeficientes fixos do fundo seriam aplicados em caráter provisório até 1991, mas, desde a criação da lei, o Congresso nunca voltou a apreciar o tema.

O STF deu prazo até 31 de dezembro de 2012 para a aprovação de uma nova lei. Se isso não ocorrer dentro do prazo, o FPE será extinto, mas até lá o governo poderá continuar a utilizar os atuais porcentuais que definem o repasse de recursos aos Estados.

“É uma discussão política e relevante para o modelo federativo. Até pouco tempo, ninguém tinha prestado atenção que recentemente o STF declarou a inconstitucionalidade da lei do FPE, exatamente a lei que dá base para essa nova lei de distribuição dos royalties”.

As afirmações do ministro Gilmar Mendes foram dadas após a cerimônia de assinatura de um convênio entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que preside, e o Corinthians. O convênio prevê que o clube receba adolescentes da Fundação Casa duas vezes por semana para usufruir a estrutura existente no Parque São Jorge.

Por três anos
“O STF na verdade disse que a lei é inconstitucional, mas que ficará em vigor por 36 meses. Então esse debate amplo terá de ser continuado. O Brasil terá de discutir essas questões, não só a distribuição de royalties do pré-sal, mas também o novo critério do FPE porque o Supremo acaba de declará-lo inconstitucional, exatamente aquele critério que está sendo adotado na emenda Ibsen. Então é preciso levar tudo isso em conta”, explicou o ministro.

Mudança abre um grave precedente, diz Hartung
Brasília

Ao contrário do que pode supor o senso comum, a aprovação da emenda Ibsen, que revê a distribuição de royalties do país e representa uma perda de R$ 7 bilhões para a economia do Rio, poderá melhorar o ambiente de negociação em torno das participações governamentais do petróleo a partir de agora.

As manifestações dos governadores de Minas, Aécio Neves, e de São Paulo, José Serra, contra a emenda são uma evidência disso. A avaliação foi feita ontem pelo governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, que alerta para as consequências políticas da aprovação da emenda para todos os Estados.

“A emenda abre um precedente gravíssimo. Ela mexe em fluxo de dinheiro já expresso em compromissos orçamentários dos Estados”, disse Hartung.

Para o governador capixaba, ficou evidente que a proposta aprovada na Câmara traz consequências graves para as contas de dois Estados da federação. Essa constatação facilita as negociações políticas no Senado.

Na prática, o temor dos senadores e governadores é que o precedente possa ser repetido em relação a outras leis que poderão comprometer o equilíbrio fiscal de outras unidades da federação.

“Nós (Estados produtores) estávamos isolados e até um pouco abandonados. Agora, sinto que voltamos a ter espaço para conversar. A emenda trouxe de volta a solidariedade federativa”, disse Hartung.

Não será uma tarefa fácil, porém, admite o governador. Reforçando o argumento do governador do Rio , Sérgio Cabral, Hartung lembra que o Espírito Santo também tem boa parte de suas receitas comprometidas com os royalties e participações especiais de petróleo dos campos em operação.

Hartung também alerta que não faz sentido o argumento de que a distância do litoral não implica em impactos sociais e ambientais nas cidades confrontantes. Essas consequências, afirma, não podem ser ignoradas.

Proposta atrasa relatório da OAB
Denise Zandonadi
dzandonadi@redegazeta.com.br

Os questionamentos quase diários que estão sendo feitos sobre a Emenda Ibsen e, até mesmo sobre os quatro projetos de lei que compõem o novo marco regulatório do pré-sal estão impedindo que a comissão especial da OAB-ES, criada para discutir este assunto, possa elaborar seu relatório final nos próximos dias.

A afirmação foi feita ontem pelo presidente da comissão, o advogado tributarista Luiz Cláudio Allemand, durante a primeira reunião aberta da comissão e convidados para debater o assunto. Allemand disse que a previsão era de que o relatório final fosse apresentado daqui a uma semana ou dez dias, no máximo.

“Agora não temos certeza quanto a esse prazo porque surgem novos dados sobre questões que podem ser abordadas a cada dia”, explicou o advogado. Durante a explanação dos membros da comissão que fazem os estudos sobre o assunto, a criação do fundo social, a capitalização da Petrobras e a mudança do sistema de concessão para o sistema de partilha são pontos ainda em debate e que causam polêmica.

Em todos os países onde existe o modelo de partilha da produção não há royalty, porque União, Estados e municípios, ao invés de receberem a compensação, recebem parte da produção de óleo e gás. No novo marco regulatório, a proposta é de partilha, mas com royalty, o que tem gerado muitas dúvidas, principalmente entre os investidores estrangeiros.

Participaram da reunião de ontem os deputados federais Lelo Coimbra (PMDB), Iriny Lopes (PT) e Rose de Freitas (PMDB) e a deputada estadual Janete de Sá (PMN), além da diretora-geral da Agência Estadual de Energia, Maria Paula Martins, que representava o secretário de Desenvolvimento, Márcio Félix.

Lula pede equilíbrio e saída negociada
Conforme prometido pessoalmente ao governador do Rio, Sérgio Cabral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou ontem nove senadores de oito partidos da base aliada para uma reunião e pediu equilíbrio e uma saída negociada que evite perdas impostas aos Estados produtores pela emenda Ibsen.

Lula orientou os líderes a conversarem com suas bancadas para auferir a disposição para um acordo e marcou para a próxima semana novo encontro.

Caso não vingue o acordo, ganhou força a estratégia de jogar para depois das eleições a discussão da divisão da renda do petróleo, a partir do desmembramento do projeto que institui o regime de partilha, separando a discussão dos “royalties”.

“O Senado tem condições de melhorar o que saiu da Câmara, que criou um novo conflito federativo. O ano eleitoral não pode prejudicar uma votação tão importante como é o marco regulatório do pré-sal”, afirmou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, após a reunião de uma hora e meia.

O presidente quer evitar ver a emenda Ibsen aprovada e ter que vetá-la, pelo imenso custo político. Porém, o compromisso de Lula com o veto permanece, pois o Planalto está convencido da inconstitucionalidade da emenda.

No sul do país, compensação pelas perdas
Após reunião com a bancada gaúcha e prefeitos, a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), disse ontem que irá compensar, a seis municípios do Estado, uma eventual perda de receita em royalties do petróleo se o Senado aprovar as regras de distribuição no modelo que passou pela Câmara. O texto - após emenda dos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG) - mantém 40% com a União e divide o restante de forma igual entre Estados e municípios, sem fazer distinção entre produtores de petróleo e os demais. Estas seis cidades recebem recursos pela existência de operações da Petrobras.

Análise
Situação do FPE favorece o Estado

Rodrigo Rabello Procurador-geral do Estado
“Ainda preciso avaliar mais detalhadamente essa questão, mas pelo que o ministro Gilmar Mendes afirma, se a Emenda Ibsen for mesmo aprovada e depois questionada no STF, ficará totalmente sem fundamento. Quer dizer, perderá a sua essência, uma vez que ela prevê a distribuição dos royalties com base nos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE) que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional no final do mês passado. É preciso deixar claro, principalmente para quem defende a Emenda Ibsen, que o ministro do STF é quem está afirmando ser inconstitucional essa proposição do parlamentar gaúcho. Além disso, existem pelo menos outros sete argumentos que estão sendo avaliados como possíveis de serem questionados e que favoreceriam os Estados e municípios produtores. A situação do FPE mais um dos que podemos utilizar a nosso favor”.

Saiba mais
O que são royalties e como são cobrados?
De modo geral, royalty é um valor cobrado pelo proprietário de uma patente ou ainda por uma pessoa ou empresa que detém o direito exclusivo sobre determinado produto ou serviço. No caso do petróleo, os royalties são cobrados das concessionárias que exploram a matéria-prima, de acordo com sua quantidade, e o valor arrecadado fica com o poder público.

Por que a distribuição de royalties voltou ao centro da discussão?
Com a descoberta da camada pré-sal, o governo federal passou a defender novas regras para a exploração do petróleo no país. Um dos argumentos é de que as empresas terão acesso a reservas de alto potencial e com risco exploratório perto de zero – o que justificaria um novo marco regulatório. Foi nesse contexto que o presidente Lula apresentou, em agosto do ano passado, quatro projetos de lei propondo mudanças no setor, sendo um deles na distribuição dos royalties. Mas os deputados não aceitaram a proposta e aprovaram uma emenda, apresentada pelos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), Humberto Souto (PPS-RS) e Marcelo Castro (PMDB-PI), que prevê a distribuição dos royalties do pré-sal para todos os Estados da federação.

O que dizem os municípios e Estados produtores?
A emenda Ibsen tem sido fortemente criticada pelas lideranças do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, que descreveram a medida como “covardia”. O governador do Rio, Sergio Cabral Filho, chegou a chorar em público ao comentar a decisão da Câmara. Segundo ele, os deputados que votaram a favor da emenda esperando algum “benefício eleitoral” em seu Estado estão “equivocados”. Sua avaliação é de que a população brasileira será “solidária” ao Rio. Representantes dos Estados produtores veem ainda “falhas jurídicas” na emenda, por mudar as regras de contratos já firmados, no caso dos poços que já foram licitados.
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até breve

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