domingo, 23 de maio de 2010

Duas visões sobre o ficha limpa


Foi publicado no site Congresso em Foco duas opiniões em relação ao "Ficha Limpa":

Além da polêmica jurídica que ele apenas começou a provocar, o projeto de iniciativa popular que restringe a participação de candidatos com pendências judiciais nas eleições, o chamado ficha limpa, é tema de avaliações bastante diferentes.

Na opinião do professor José Rodrigues Filho, embora ele tenha o mérito de ser “uma grande denúncia contra a corrupção no Brasil”, ele não enfrenta adequadamente o problema porque “não se combate a corrupção de forma normativa”.

O jornalista Heitor Diniz entende que o projeto representa um avanço extraordinário, que é fruto “de um movimento muito bem organizado e da mobilização da sociedade”.
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Eis as duas.

A primeira do Professor José Rodrigo Filho:

Ficha limpa não combate a corrupção

“A desigualdade econômica proporciona o campo fértil da corrupção, que está profundamente enraizada na sociedade. Não se combate a corrupção de forma normativa”

José Rodrigues Filho *

Embora o projeto ficha limpa seja uma grande denúncia contra a corrupção no Brasil, que está no rol dos países mais corruptos do mundo, seu efeito para combatê-la é mínimo, conforme estudos que consideram que não se combate corrupção de forma normativa. A sociedade está tão desenganada e desesperada com a corrupção e outros males sociais que deu, mais uma vez, a prova de sua força e capacidade. Espera-se que doravante o parlamento responda sempre ao clamor social, evitando tamanho sacrifício e desespero.

Os estudos de corrupção ainda são limitados e quase inexistentes no Brasil, embora o campo seja bastante fértil. Mesmo assim, a corrupção vem sendo estudada do ponto de vista cultural, econômico e institucional. Por se tratar de um tema complexo, que envolve diversas variáveis, seria necessário o desenvolvimento de pesquisas para elucidar os fortes determinantes de corrupção neste país.

Do ponto de vista cultural, tem sido dito que o sangue corrupto corre nas nossas veias, daí ser necessária uma lei que possa evitar que o eleitor brasileiro vote num político corrupto. É verdade que alguns votam no “rouba, mas faz”. Por outro lado, em vários países, sobretudo na Europa, um político corrupto jamais seria candidato. A cultura da sociedade europeia não aceita esse tipo de comportamento. Similarmente, existem muitos brasileiros honestos contrários ao comportamento “rouba, mas faz”. O exemplo foi o sacrifício de milhares de pessoas que foram à praça pública assinar e abonar documentos pedindo mudanças. Mesmo assim, vale a pena analisar a corrupção sob a perspectiva econômica, por mais que sejamos favoráveis ao projeto acima mencionado.

Nesse caso, as raízes da corrupção estão na distribuição desigual de recursos na sociedade e no sistema legal. A desigualdade econômica proporciona o campo fértil da corrupção, que está profundamente enraizada na sociedade, sendo dificilmente eliminada, mas que pode ser atenuada através de duas forças: crescimento econômico e um sistema legal justo. Um sistema legal injusto é o determinante-chave da corrupção. Alguns estudos mostram que a corrupção é quase inexistente em países desenvolvidos e mais igualitários, a exemplo das nações escandinavas (Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia). Quando a corrupção se torna generalizada na sociedade, as pessoas não desejam condená-la como imoral, visto que a desonestidade é o único caminho de se alcançar o que se quer.

Para alguns, a solução para a malversação de recursos públicos, por exemplo, é colocar os políticos corruptos na cadeia. Porém, se forem colocados na cadeia, outros os substituirão. O sistema legal não resolve a questão da corrupção, sobretudo se tal sistema for injusto. Para alguns, o sistema legal pode ser justo e eficiente. Porém, é mais fácil tornar a Justiça mais eficiente por meio do aumento do número de julgamentos realizados em menor tempo, de mais juízes ou do melhor desempenho da força policial do que se tendo um sistema legal mais justo.

Se é punido rápida e exemplarmente o ladrão de galinha, responsável por um pequeno crime, e não se punem os poderosos, responsáveis pela grande roubalheira, o sistema legal é injusto e fortalece a corrupção e as desigualdades. Historicamente, no campo político, poucos foram condenados neste país. Isto gera a falta de confiança da sociedade, que é um dos fatores principais da corrupção. Na discussão do projeto ficha limpa, o Senado Federal cobrou a responsabilidade do sistema judiciário. Foi uma cobrança muito oportuna.

Felizmente, a sociedade brasileira começa a vivenciar novos tempos, ao ver o sistema legal punir, nos últimos meses, a classe política, responsável por atos corruptos. A confiança no sistema legal começa a aumentar e, em consequência, os corruptos vão começar a pensar se vale a pena praticá-la. Em não praticando a corrupção, mais recursos serão revertidos em beneficio da sociedade, diminuindo as desigualdades.

A escolha de candidatos deve ser função dos partidos políticos e dos eleitores. Repassar essa função para o sistema legal não parece ser um bom caminho, pois quanto mais regulada for uma sociedade, maior será a corrupção. Se os partidos políticos permitem candidatos corruptos, estão reforçando a corrupção no país. A sociedade deve lutar por mais justiça social e equidade e por um sistema legal mais justo. Esses são os caminhos mais adequados para se combater a corrupção.

* Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas universidades de Harvard e Johns Hopkins (USA)
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Eis a segunda do jornalista Heitor Diniz:

Uma vitória melhor que o hexa

"Não fosse a iniciativa de um movimento muito bem organizado e a mobilização da sociedade, o projeto muito provavelmente não seria aprovado"

Heitor Diniz*

A data acima tem tudo para entrar para a história da jovem democracia brasileira. Nesse dia, o Senado, a exemplo da Câmara, foi obrigado a avalizar o chamado projeto ficha limpa. E por unanimidade, como mandava o absoluto princípio da vergonha na cara. Para sorte nossa, o voto foi aberto. Ufa!

Antes que algum parlamentar venha a torcer o nariz para o “obrigado a avalizar”, façamos um exercício de memória. Ou de informação. Em entrevista a Jô Soares, na última terça-feira, o relator da matéria na CCJ do Senado, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), afirmou que já havia apresentado um projeto similar ao ficha limpa, mas que o mesmo não passou de uma peça natimorta, relegada ao último plano das prioridades de suas excelências, por total falta de interesse político (ou pragmático).

Uma coisa é certa: não fosse a iniciativa de um movimento social muito bem organizado, não fosse a apropriação da ideia por fatias crescentes da opinião pública, não fosse a pressão popular, não apenas com as assinaturas, mas com a grande mobilização a partir das novas mídias eletrônicas (twitter, facebook, blogs etc), e a vitória da sociedade muito provavelmente não tivesse acontecido.

Agora, todos aguardam os desdobramentos naturais desse dia, repito, histórico, a começar pela sanção do presidente Lula, que não cometerá o suicídio de sua popularidade e o "projeto Dilma" com um veto mais do que impensável.

E por falar em desdobramentos, uma consequência mais do que desejada desses oito meses de pressão pela aprovação do ficha limpa é que a sociedade não baixe a guarda e os olhos observantes e atentos, hoje pairados sobre suas excelências. Que esses olhos, os nossos olhos, não se dispersem nessa árdua vigília.

E que o maior orgulho brasileiro (e do brasileiro) não continue sendo “apenas” o nosso cinco vezes consagrado futebol.

*Heitor Diniz é jornalista em Belo Horizonte. Seu trabalho pode ser acompanhado em www.uai.com.br/cronicapolitica e em www.twitter.com/heitordiniz
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Agora tirem suas conclusões!

até breve

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