quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Ditador ou Capacho da Velha-Guarda?


Em julho de 2000, quando Bashar el-Assad assumiu a presidência da Síria, o povo respirou aliviado. Não importou nada o fato de o escrutínio não ter sido democrático, e a prova disso foram os 97% dos votos atribuídos ao jovem de 34 anos. Assad, homem espigado e cordial, era visto como um modernizador. Antes de se tornar presidente, deu acesso à Internet a milhões de cidadãos e a mídia passou a ter mais liberdade. Fez mais: liderou uma campanha contra a corrupção que derrubou até um primeiro-ministro. O temor dos cidadãos sírios era a eleição de um dos homens da chamada velha-guarda do Partido Baath. Composta em sua maior parte por alauítas, a seita xiita representada por apenas 10% da população, essa velha-guarda era a base de apoio a Hafez, pai de Assad que tratou o povo com punhos de ferro durante 30 anos. Hafez, também chamado de “Leão de Damasco” (Assad significa leão em árabe), morreu escassas semanas antes de o filho assumir seu posto.

Embora também seja alauíta, Assad era respeitado no início de sua presidência até pela maioria sunita (74%). Sua imagem era positiva em parte devido ao seu desprendimento em relação à família. Assad não parecia interessado numa carreira política. Seguia vida pacata na área de oftalmologia em Londres, enquanto o irmão mais velho Basil, chefe da segurança presidencial, comparecia a eventos oficiais trajando uniforme militar. Não fosse a morte de Basil num acidente de automóvel em 1994, Assad, dizem os amigos, provavelmente teria permanecido na capital britânica.


De volta a Damasco, Assad seguiu carreira militar, sendo promovido a coronel em 1999. Mas, segundo vários observadores, os anos passados no exército não lhe deram experiência política para liderar o país. Num primeiro momento, Assad parecia interessado em reformas democráticas. Colocou em liberdade centenas de presos políticos, deu mais espaço à imprensa, e permitiu demonstrações pacíficas. E, ao contrário do pai, que não aparecia com a mulher em público, Assad revelou-se um marido e pai modelo. Semanalmente levava Asma, a mulher, a algum evento, de preferência óperas. O casal e os três filhos – o mais velho responde por Hafez—, passaram a ser vistos em restaurantes. Asma, uma mulher sofisticada, trouxe um certo glamour para o sombrio Assad. Nascida e criada em Londres, abandonou a carreira de bancária para dedicar-se à luta contra a pobreza.

No plano internacional, Assad foi recebido por líderes do G7 como o presidente francês Nicolas Sarkozy. Quando condenou a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003, perdeu a confiança de Washington. No entanto, os discursos antiamericano e anti-Israel do presidente sírio foram aplaudidos por numerosos de seus compatriotas. Ainda no palco global, seu suposto apoio para militantes no Iraque e ao Hamas, em Gaza, foi condenado por Washington e Jerusalém. E, claro, sua amizade com Mahmmoud Ahmadinejad, é mal vista não somente pelos EUA, mas também pela União Europeia.

Assad, contudo, mostrou boas intenções ao estreitar elos com o Líbano. Após o assassinato do ex-premier Rafik Hariri em 2005, as relações entre os dois países estavam estremecidas. O motivo? Damasco estaria por trás do assassinato, mas Assad reagiu negando que seu país tivesse algo a ver com a morte do ex-premier libanês. Já com a Turquia, potência cada vez mais presente no Oriente Médio, os laços mais estreitos são fáceis de explicar. Mesmo após Ancara ter condenado a chacina por parte das forças de segurança, as relações comerciais entre os dois países parecem, por ora, inabaladas.

Enquanto isso, mercenários e as forças de segurança de Assad já mataram mais de 1.700 de civis desde o início das manifestantes contra um regime autoritário em meados de março, segundo organizações de Direitos Humanos. E, neste mês de Ramadã, no qual a vasta maioria do povo converge diariamente para as mesquitas, foco de protestos, a matança se intensificou. Com isso, a ira a mover os manifestantes sunitas contra a minoria alauíta cresce a cada dia.

A despeito do balé diplomático para mediar a crise entre manifestantes e as forças de Assad, o presidente sírio continua determinado a manter a repressão. O que levanta a seguinte questão: o que aconteceu com aquele pacato oftalmologista metamorfoseado em presidente com intenções de modernizar seu país? O fato de ele ter revelado ter os mesmos pendores para massacrar o povo do pai talvez escamoteie sua inexperiência politica. Vale lembrar: num levante em 1982, o pai matou 30 mil civis em três semanas.

Se Hafez era um hábil político, Assad parece estar sendo dominado pela velha-guarda. Ademais, Hafez pregava o pan-arabismo para arrefecer diferenças étnicas e religiosas. Por tabela, conseguiu diluir a influência da classe média sunita. Além da ira contra a minoria alauíta agora a oprimi-los, esses sunitas estão a perder poder aquisitivo em meio a uma crise global e ao fato de o país atravessar uma guerra civil. Nesse contexto, o mundo sunita começa a se mobilizar contra Assad. Isso porque a sangrenta contenda tem potencial para deflagrar um conflito sectário, a envolver os vizinhos Líbano e Iraque.

Por essas e outras, embaixadores da Arábia Saudita, Bahrein e Kuwait retornaram para suas capitais. A Liga Árabe condenou a chacina. Ao mesmo tempo, Estados Unidos e União Europeia querem aprovar uma resolução condenando Damasco no Conselho de Segurança da ONU. Por sua vez, Brasil, África do Sul e Índia buscam um diálogo com o ditador. Mas Assad quer dialogar? E caso não dialogue, qual seu fim? Até o início do atual conflito, Assad representava estabilidade para o Partido Baath, as burocracias, os serviços secretos, e o exército. Mas o quadro mudou. O maciço protesto continua. A Síria foi isolada pelo mundo sunita e pelo Ocidente. A minoria de privilegiados alauítas – leia velha-guarda – continuará a apoiá-lo?

Por Gianni Carta

Gianni Carta é jornalista, correspondente de CartaCapital em Paris, escreve sobre coisas da vida do Hemisfério Norte.


Fonte: CartaCapital

até breve

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