terça-feira, 5 de julho de 2011

Medicamento para parar de fumar aumenta risco cardiovascular em 72%


O uso do Champix - o remédio antifumo mais usado no mundo - já havia sido relacionado a problemas psiquiátricos, como depressão e tendências suicidas; a fabricante afirma que o número de casos estudados é pequeno demais para confirmar o resultado

Champix - o medicamento mais usado no mundo para parar de fumar - está ligado a um aumento de 72% no risco de ataque cardíaco, acidente vascular cerebral (AVC) ou outros problemas cardiovasculares. É o que afirma um trabalho publicado na Revista da Associação Médica Canadense.

O estudo comparou fumantes sem histórico de problemas cardíacos que utilizaram o remédio com um grupo de perfil semelhante, mas que recebeu um placebo no lugar do medicamento.

A descoberta pode acrescentar mais um alerta ao produto, que já havia sido relacionado a problemas psiquiátricos - como o aumento no risco de suicídio. No início do ano, cerca de 1,2 mil usuários do remédio processaram o laboratório, alegando que tiveram episódios de depressão ou de pensamentos mórbidos provocados pela droga.

Há duas semanas, a FDA, agência americana de vigilância sanitária, solicitou à fabricante Pfizer que incluísse uma informação na bula do produto alertando para um risco ligeiramente maior de problemas cardiovasculares em pessoas que já têm histórico de doença cardíaca. A decisão se baseou em um estudo clínico com 700 fumantes.

O trabalho atual contou com 8,2 mil pacientes reunidos em 14 testes clínicos (mais informações nesta página). "Esse estudo teria levantado uma bandeira de alerta se ela já não estivesse de pé", diz Celia Winchell, do Centro para Avaliação e Pesquisa de Medicamentos da FDA. A agência e a Pfizer já combinaram mais testes para avaliar os riscos cardiovasculares do Champix.

O produto é vendido em 99 países. No mundo, cerca de 13 milhões de pessoas receberam prescrição do remédio, um mercado de US$ 775 milhões (R$ 1,2 bilhão), só no ano passado.

A Pfizer, em nota à imprensa, disse que a análise divulgada reúne um número muito pequeno de eventos cardiovasculares para sustentar qualquer conclusão sobre os riscos do medicamento. E acrescentou que o Champix trouxe benefícios imediatos e substanciais à vida de fumantes que abandonaram o cigarro.

Os autores do estudo adotam uma postura extremamente crítica. "É mais uma evidência", afirma Curt Furberg, professor do Centro Médico Batista de Wake Forest, nos EUA. "Não vejo como a FDA pode deixar o Champix no mercado." Em uma nota à imprensa, ele acrescentou: "Sabemos há vários anos que o Champix é uma das drogas mais perigosas do mercado americano, baseado no número de efeitos adversos graves reportados à FDA. Pode causar perda de consciência, distúrbios visuais, suicídios, violência, depressão e piora da diabete. A essa lista, nós podemos acrescentar agora sérios eventos cardiovasculares."

Furberg coordenou testes clínicos para o governo americano e atuou como testemunha em processos contra a Pfizer. Os demais autores afirmaram não ter conflitos de interesse. Sonal Singh, da Universidade Johns Hopkins, disse que a FDA deveria ter exigido um alerta na bula há muito tempo. "O risco é substancial e afeta fumantes sem risco cardíaco", aponta Singh. "E a Pfizer sabe disso há cinco anos."



No Brasil. Há duas semanas - ou seja, antes da publicação do estudo na revista canadense -, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) solicitou à Pfizer o envio do último relatório de segurança do medicamento. Motivada pela alteração da bula nos EUA, também pediu que se incluísse um alerta aos pacientes cardíacos. Por fim, solicitou o envio de cartas aos profissionais de saúde sobre os riscos.

Para o cardiologista Abrão Cury, do Hospital do Coração, os números são preocupantes. "Ainda que demande investigações mais aprofundadas, trata-se de um alerta importante. É recomendável a suspensão da indicação do medicamento até que mais estudos sejam feitos."

O pneumologista José Roberto de Brito Jardim, da Unifesp, recorda que qualquer medicamento possui efeitos adversos. Para ele, por enquanto, a análise de custo-efetividade ainda é favorável ao Champix. "Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 50% dos fumantes morrerão de doenças associadas ao tabaco", aponta. "Os riscos ligados à medicação ainda são bem menores que os associados ao cigarro. Basta um bom acompanhamento (do médico)."

Para o médico João Paulo Lotufo, do Hospital Universitário da USP, os resultados ainda precisam ser replicados. Ele diz que há três tipos de tratamento para combater o tabagismo: reposição de nicotina (com gomas e adesivos), uso do antidepressivo bupropiona e o uso da vareniclina - ou Champix. Afirma que a vareniclina apresenta resultados um pouco melhores que a reposição de nicotina, mas não é oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde - a terapia custa cerca de R$ 300 por mês e um trimestre.

A associação do uso de medicamentos ao aumento de risco cardíaco já fez com que outros remédios fossem retirados do mercado.

Em 2010, o laboratório Abbott parou de vender nos EUA medicamento para emagrecer que continha sibutramina. Decisão semelhante foi tomada no Brasil neste ano. Estudo realizado pela própria Abbott indicava aumento de riscos cardíacos para pacientes que já tinham comorbidades.

Em 2008, análise com consumidores do anti-inflamatório Vioxx confirmou que o medicamento, retirado do mercado em 2004, dobrava o risco de derrames e ataques cardíacos. No ano passado, a farmacêutica Merck Sharp & Dohme foi condenada a indenizar um australiano que sofreu um enfarte por culpa do fármaco.
Fonte: Estadão
até breve

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